(por William Ferreira)
“A escola é uma experiência sociocultural insubstituível. Ela não é só um local de aprendizado de conhecimentos e informações. Ela é de convivência, de aprendizado de valores, de cidadania, solidariedade. Portanto, hoje esse modo emergencial em que a escolarização está sendo feita é complementar, ela não é suplementar”, Mario Sérgio Cortella.
A pandemia do novo coronavírus fechou portas de escolas de ensino regular, profissionalizante e universidades em todo país. A medida adotada há quase seis meses, visava reduzir as possibilidades de contágio e proliferação da doença. Em nível global, de acordo com um relatório divulgado pelo Banco Mundial, mais de 1,5 bilhões de alunos ficaram sem estudos presenciais em 160 países. Especificamente no estado do Rio, em um primeiro momento, foi adotada a antecipação das férias de julho, pensando ser algo passageiro. Mas, aos poucos, criou-se o entendimento de que era preciso adaptar o sistema de ensino para não correr o risco de perder o ano letivo. E claro, toda adaptação, somada a urgência da questão, necessita de tempo para aparar arestas e superar as dificuldades. A utilização do sistema de aulas remotas foi a grande saída encontrada pelos governos para contornar a distância e dar sequência as atividades escolares. No entanto, em um país marcado por desigualdades sociais, apesar de conviverem no mesmo grupo escolar, a estrutura de um aluno em sua residência é antagônica ao colega que se sentava na carteira ao lado. Mesmo nas escolas particulares, é comum ouvir de professores que o aluno não pôde participar de determinada aula por falta momentânea de um computador ou celular. Dados da UNICEF vão mais além. De acordo com a entidade, cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes, de 9 a 17 anos, não têm acesso à internet em casa. Isso corresponde a cerca de 17% de todos os brasileiros nessa faixa etária. Na região, por exemplo, alguns municípios só iniciaram as aulas a distância no mês de julho, devido aos alunos pertencerem a área rural e não possuírem acesso à internet. Nestes locais, o conteúdo vem sendo disponibilizado através de apostilas. E em meio a esse imenso quebra-cabeça que não se encaixa, estão os professores, que também precisam se adaptar a uma nova forma de reproduzir o conteúdo, bem mais solitária, com poucas interações durante a aula, além de buscar superar as eventuais limitações de estrutura do aluno.
“É um pouco estranho para gente que já tem mais de 20 anos de profissão, acostumada a tentar acalmar a agitação dos adolescentes em sala e de um dia para o outro, só você fala. E a distância também ajuda na dispersão, já que em casa, o aluno possui uma série de distrações que o deixam “fora do ar” por mais tempo do que o normal”, relata a professora de geografia, Elizabete Veiga, que trabalha com alunos do ensino médio.
“Sou professora de educação física na rede pública. Meu desafio é buscar criar um conteúdo que consiga, de fato, atingir as crianças e suas estruturas. Tenho mais de 30 alunos. Então preciso pensar: será que esse jogo que estou propondo será possível realizar? Eles têm quintal? Será que todos poderiam fazer essa atividade com tampa de margarina? Na sala de aula você sabe com o espaço que vai utilizar. Na casa do aluno não. O desafio vai um pouco além de executar a aula, passando primeiro por qual atividade você irá propor. É o nosso novo normal, né?”, exemplifica, Ana Lúcia, que leciona para jovens do 5º ao 9º ano. E se o novo formato parece desafiador para trabalhar com crianças e adolescentes, a educação infantil merece um capítulo especial. Como trabalhar remotamente com crianças da primeira faixa de alfabetização? Naturalmente, crianças aprendem melhor em grupo, aprendem juntas, tanto na explicação, quanto na observação. É o que relata a professora, Camila Leite, que trabalha em uma escola particular de Barra Mansa.
“A alfabetização precisa do interativo, da sala de aula, crianças agrupadas em quatro e seis. As escolas vivem a alfabetização de uma forma muito interativa e lúdica. E de repente, como trazemos todo esse conteúdo para rede? Estamos vivendo um grande desafio nessa pandemia que teve um início, mas não tem um fim. É preciso se adaptar e rápido. É certo que nós professores estamos trabalhando mais do que antes. Nós estamos exaustos. Mas, também é um momento único, de aprendizado. Tenho buscado moldar esse conteúdo da melhor forma possível, de maneira bem afetiva. Sempre abro minhas aulas perguntado se está tudo bem com eles, crio desafios para envolvê-los, jogos educativos, além de reservar um espaço para os pais e ouvir suas dificuldades”, relata Camila Leite, que ainda reitera a participação dos pais nesse momento.
“Tento trabalhar uma formação socioafetiva não só da criança. Antes da pandemia, as famílias não estavam adaptadas a participar 100% deste processo de aprendizado. As famílias eram presentes, mas hoje, com a pandemia, tenho sentido os pais fazendo 100% esse papel de mediação. Ter a família ao lado na hora do aprendizado é de extrema importância socioafetiva”, finaliza. Pós graduada em Neuro psicopedagogia e Neurociência da Cognição, Camila Leite também destaca os pontos positivos do trabalho remoto, ressaltando que a ferramenta pode trazer conhecimento e sensações diferentes do que as experimentadas em sala de aula.
“O momento nos exige, e é possível ter uma educação remota de uma maneira mais leve. É claro que tudo é um contexto, existe a rotina dos pais, algumas variáveis, mas é importante olhar de forma mais abrangente e usar ao máximo os recursos que a tecnologia nos permite. Atualmente, estamos com estudos sobre a natureza e eu abri a aula permitindo que cada aluno pudesse ter ao lado o seu bicho de estimação. Tivemos até mesmo alunos que vivem em sítios, apresentando seus cavalos. Isso é mérito da tecnologia e seria impossível os alunos vivenciarem na sala. O desafio é grande, mas tenho certeza de que juntos, professores, pais e alunos, podemos tirar o melhor proveito possível”, finaliza.
AI ENTREVISTA
Buscando entender um pouco mais sobre a importância da família nesse processo de aprendizagem, principalmente nesse momento atípico vivido pela sociedade, a Revista Acontece Interior procurou a psicopedagoga, Nathalia Ribeiro, para desbravar os caminhos que teremos que seguir até a retomada do ensino presencial.
- Durante esse período novo que vivemos, os pais têm assumido um papel importante no aprendizado das crianças. No entanto, a falta de estrutura e/ou habilidade para ensinar, tem causado muita angústia para os pais, se tornando um momento de tensão para os filhos. Como lidar com essa situação?
Nathalia Ribeiro: Estamos vivendo um momento muito atípico, os pais não podiam imaginar que viveriam está situação, que um dia teriam ainda mais responsabilidades e se veriam como educadores de seus filhos. Hoje, mais do que nunca, a parceria da família e escola está sendo indispensável, precisam caminhar juntos. Obstáculos se fazem presente neste momento de ensino remoto, por exemplo a dificuldade de acesso para muitas famílias. A comunidade da minha escola, em sua maioria, não tem acesso à internet. Além disso, independentemente da situação financeira de cada família, a falta de habilidades pedagógicas também interfere muito. No meu trabalho, para melhorar o rendimento escolar, ajudamos a orientar e organizar melhor essa estrutura. Primeiramente, é necessário que haja uma rotina, a organização familiar sempre foi muito importante, ainda mais neste momento. Com a rotina estabelecida, a criança irá buscar realizar as tarefas importantes, desenvolvendo sua autonomia e consciência de suas responsabilidades. Além disso, estabelecer também uma rotina para os pais, irá oferecer aos filhos a possibilidade de desenvolverem diversas habilidades, como uma melhor orientação temporal, senso de responsabilidade, comprometimento, organização, controle da ansiedade, tornando as relações entre pais e filhos se tornam mais equilibradas, sem o desgaste de ter que chamar a atenção do filho para cumprir as tarefas.
- Até que ponto vale a pena cobrar para que o filho absorva o aprendizado durante essas aulas remotas?
Nathalia Ribeiro: Educar filhos é um desafio, nunca foi fácil e com esse isolamento social fica ainda mais difícil. Mas precisamos ter em mente que nosso papel quanto pai precisa ser cumprido. Portanto, é necessário dar carinho, afeto e participar da vida escolar do nosso filho. A cobrança da disciplina também se faz necessária, mas não adianta só cobrar. Com o ensino remoto, fica mais complicado que esse aprendizado aconteça de forma satisfatória, isso porque o tempo de concentração e atenção das crianças acabam não sendo o suficiente para acompanhar as aulas online. Procure oferecer um local adequado para estudo, faça o acompanhamento familiar, motive, elogie. Incentivos através de brincadeiras, usar o lúdico, será primordial, pois é muito mais fácil aprender brincando, se divertindo. Hoje temos uma parcela muito significativa nesse processo de aprendizagem, nossas atitudes quanto pais fará uma grande diferença.
- Uma pesquisa nacional realizada pela DataSenado apontou que 63% dos pais afirmam que a qualidade da educação caiu com as aulas remotas. Em um contraponto da pesquisa, não seria normal que a qualidade caísse? As crianças, professores, diretores, inclusive os pais, precisam se adaptar ao novo formato de ensino. Por sua experiência, eles têm compreendido e estão sabendo lidar com esse momento de flexibilidade?
Nathalia Ribeiro: O ensino a distância não é algo tão simples assim. Existem pessoas que conseguem ser disciplinado o suficiente e acompanhar, outras apresentam mais dificuldade e precisam estar ali, presencialmente. A maioria das crianças e jovens não tem maturidade e consciência para lidar com o ensino remoto. Com isso, a qualidade cai e eu me pergunto: como será o ano de 2021? Pedagogicamente falando, como essas crianças e esses adolescentes estarão? Será que teremos um grande número de crianças com dificuldades de aprendizagem? Será que o número de reprovação irá aumentar? Será que teremos que transformar 2021 numa retrospectiva de 2020? Acredito que será um ano desafiador, tanto para os educadores, quanto para os educandos. As famílias que estão empenhadas nesse processo, que buscaram ou estão buscando ajuda, orientações, acompanhamento para seus filhos, irão fazer desse ano um bônus. Esse ano não será perdido e seus filhos terão um retorno muito mais positivo, por isso é necessário ter a consciência que nossas atitudes irão refletir no sucesso do nosso filho. Eu sei que não é fácil, pois sou mãe e educadora, mas precisamos buscar o melhor para essas crianças e acreditar que somos capazes. E se não somos capazes de atuar como educadores, devemos ser capazes de buscar orientações para esse processo de aprendizagem.
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