Coluna Perseverança O cérebro que se transforma
Hoje vamos falar um pouco mais sobre neuroplasticidade ou melhor, a capacidade do sistema nervoso central modificar-se e regenerar, mediante a necessidades que vão surgindo durante a vida. Vamos aqui expor várias curiosidades e estudos que foram marcantes para que o médico e escritor Norman Doidge escrevesse o seu livro: O cérebro que se transforma. Sempre que escrevo em meus artigos algo sobre a neuroplasticidade, recebo perguntas de pacientes e amigos sobre o assunto e acho que hoje, vamos tentar esclarecer algumas delas. Em 1895… Sir Charles Sherrington, um dos primeiros desbravadores da neurociência, usou a deaferentação de cobaios (desconexão de nervos perifericos que levam a informação até a medula e depois para o cérebro), verificando na época, que os mesmos perdiam os movimentos dos membros deaferentados, assim como todos reflexos. A partir destes estudos deu-se origem a teoria do arco-reflexo, podendo ser considerado um dos primeiros estudos documentais sobre neurociência. Edward Taub, em 1981…..usou a deaferentação de braços de macacos em seus estudos e surgiram novas teorias que passaram a guiar as próximas décadas, no que se refere aos estudos e avanços da neurociência no mundo. Mas foi um dos experimentos de Taub, no qual deaferentou um braço de um macaco e fixou o outro braço que estava bom, que verificou-se que quando os dois braços ficavam imóveis sem mandar estímulos a medula espinhal, depois de um tempo, voltavam a manter os movimentos nos braços para se alimentarem, mostrando que o cérebro atuava na conexão, assumindo o movimento, destruindo a teoria do arco-reflexo de Sherrington, quase um século depois. Seguindo com novas experiências, observou que os macacos tinham aprendido a não usar o lado deaferentado, quando eram submetidos imediatamente aos estímulos, com a imobilização do lado bom. Verificou-se que mesmo após uma desconexão direta na medula espinhal, os cobaios mantinham os movimentos depois de um tempo razoável. Mas foi a partir deste experimento, que passou a perguntar-se: Porque haveria um tempo entre a lesão até voltarem a ter os movimentos braquiais novamente? Foi desta forma que descobriu “a teoria do choque medular”, pois os macacos sofriam um trauma após as cirurgias para deaferentação, da mesma forma que ocorre “o choque cortical ou cerebral nos AVCs(acidente vascular cerebral)”, no qual pacientes ficam um bom tempo sem os movimentos nos membros relacionados a região cérebro-espinhal afetados.
Quem já teve um parente próximo, amigos ou algum familiar com AVC,como eu já tive, sabe que o paciente fica um bom tempo sem movimentar os membros que recebem diretamente o estímulo cerebral da área lesionada. Nesta teoria, o neurocientista mostra que o paciente que passa por um choque cortical após o AVC, fica de 2-6 meses para recuperar-se e, uma vez em choque, o paciente fracassa quando tenta elevar o braço e/ou a perna comprometida no AVC. Portanto, passa a usar o lado bom, que por sua vez passa a obter reforço positivo das conexões sinápticas e segue cada vez mais com sucesso. Seguindo o raciocínio de USE ou PERCA, o braço enfraquecido começava a atrofiar. O argumento de Taub: se os macacos que tinham os dois braços deaferentados eram capazes de usá-los, era porque nunca haviam tido a oportunidade de aprender que não funcionavam bem após uma lesão e, teriam que usá-los de qualquer forma para sobreviverem. Então, passou a chamar esta teoria de “Desuso Aprendido”. No início dos anos de 1990, o médico e neurocientista Alvaro Pascual-Leone, fez experimentos neuroplasticos com o dispositivo TMS (Transcranial Magnetic Stimulation) na faculdade de medicina de Harvard. A ideia era mapear o cérebro de indivíduos cegos que aprendiam ler em Braille. Os alunos estudavam 5 dias por semana por 2 horas alem dos deveres de casa, de segunda as sextas-feiras e, eram mapeados na sexta-feira e na segunda-feira. Ao mapear o Cortex Motor(no cérebro), através do dispositivo TMS, descobriu que os mapas correspondentes ao dedo leitor de Braille, eram maiores que do outro indicador e também de indicadores de pessoas que não leem em Braille. Os Resultados: os mapas das sextas-feiras mostravam uma expansão cerebral muito rápida, mas após o descanso de finais de semana,na segunda-feira, identificava que os mapas tinham voltado ao tamanho original. Depois de 6 meses os mapas continuavam aumentando, mas não tanto quanto no início do estudo. Após 10 meses, identificou que os mapas aumentavam muito pouco,mas havia uma menor redução, quando chegavam às segundas-feiras. A cartada final: após 10 meses todos os estudantes ficaram 2 meses sem estudar e foram remapeados. E neste estudo, verificou-se que os mapas estavam inalterados, desde o último mapeamento de segunda-feira, 2 meses antes. Portanto, a conclusão foi que existem mudanças plásticas drásticas no cérebro no início dos estudos, mas que só se tornam permanentes após 10 meses. As mudanças no início fortalecem as conexões neurais existentes e desmascaram vias sepultadas e as mudanças mais duradouras surgem, após a formação de novas ramificações e novas conexões neurais entre as sinapses, que surgem após 10 meses de estudo. Este efeito chamou de “tartaruga-e-lebre”. Notou-se que as primeiras conexões surgem e desaparecem rapidamente e portanto, se o estudo não for duradouro, rapidamente nos esquecemos da matéria estudada. Mas durante 6-10 meses, fortalecemos conexões sinápticas já existentes, solidificando assim o aprendizado. Para fechar: Pascual-Leone aplicou o TMS para bloquear o Cortex Visual dos leitores em Braille, induzindo uma lesão virtual e verificou que os leitores, não conseguiam ler e nem sentir a ponta do dedo leitor, pois verificou com TMS, que o Cortex Visual(no cérebro) dos leitores em braille, haviam recrutado informações derivadas do do Cortex Sensitivo do tato da mão leitora.
O que não aconteceu com pessoas SEM DEFICIÊNCIA VISUAL. A IMAGINAÇÃO: 1)PIANO X PIANO MENTAL: Em um primeiro estudo foram formados dois grupos com pessoas que jamais tocaram piano e o primeiro grupo, sentava-se diante do piano e treinava ouvindo as notas musicais e as tocando, já no outro grupo eles sentavam diante do piano e apenas imaginavam que estavam tocando. Eles tiveram o cérebro mapeado com TMS antes, durante e depois do experimento. Ambos os grupos foram solicitados a tocar a sequência musical e um computador media a precisão de suas performances. Conclusão: os dois grupos aprenderam a tocar e tiveram mudanças plásticas semelhante nos mapas cerebrais. 2)XADREZ e XADREZ MENTAL : Anatoly Sharansky, militante soviético pelos direitos humanos, especialista Judeu em Informatica, foi falsamente acusado de ser espião nos Estados Unidos em 1977, durante a Guerra Fria, e passou 9 anos na prisão em salas escuras de 4 metros quadrados. A maioria dos prisioneiros entraram em colapso mental, porque o cérebro usa o princípio do “Use ou Perca” e precisa de estímulos externos para manter parentes nossos mapas cerebrais. Mas Sharansky passou a jogar Xadrez Mental, onde imaginava peças brancas e pretas, mantendo um jogo em sua mente, com perspectivas opostas- desafio extraordinário para o cérebro. Depois de libertado foi para Israel e tornou-se Ministro. Em uma visita, o campeão mundial Garry Kasparov derrotou todos do governo, exceto Sharansky, que venceu o campeão. Pouco tempo depois, estudos realizados pelo neurocientista Kandel junto ao Biologo molecular James Schwartz, determinaram que uma memória de curto prazo passa a ser de longo prazo, quando a proteína Quinase-A sai corpo celular do neurônio e desloca-se para o núcleo da célula neuronal. Neste momento o neurônio passa a estabelecer de 1300 a 2700 conexões sinápticas. Mas para isso, sabemos que o estudante tem que manter-se aplicado e com total dedicação ao que se pretende alcançar, por ao menos 10 meses consecutivos. Portanto…mãos à obra. Por Valério Marcelino Braga – Neurocirurgião
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